domingo, junho 18, 2006

Aphrodite

Aproveitei minha visita por duas das mais importantes coleções de esculturas gregas e romanas do mundo para sanar uma dúvida que tinha há muito tempo. Com um affair com uma bulímica, que terminou em virtude da infeliz revelação do consumo matinal de café com sal, além de uma longa paixão não correspondida por uma anoréxica nas costas, pode-se dizer que prefiro a categoria peso pena. Sempre procurei sustentar a razoabilidade estética da minha preferência, o que tem se tornado até desnecessário hoje em dia, mas sempre procurei uma justificativa anterior, que não pudesse ser atacada pelas conversas PC tão em moda.

Por isso sempre preferi acredirar que compartilhava o gosto por um padrão de beleza feminino clássico, tão sustentável como o mais rechonchudo padrão renascentista. Neste ponto é importante um parêntese, para poupar o leitor incauto de prosseguir nesta inútil leitura. Não é minha intenção tratar de um padrão ideal, comparar ou determinar o melhor, mas apenas empreender um exercício estético de um ponto central de observação: o meu.

Entretanto, a única forma de me certificar disso era examinando ao vivo uma série de esculturas da época. Pinturas, além de escassas geralmente apresentam apenas as posições mais favoráveis. Por outro lado, as fotografias das esculturas são novas obras de arte, que sofrem das mesmas limitações. Pessoalmente adoro tirar fotos de esculturas, pois você alenta a ilusão de ter uma parte no maravilhoso resultado final, quando fotos de quadros são de difíceis a impossíveis.

Pois bem, fui verificar as belas esculturas antigas, com uma parada obrigatória para a Vénus de Milo, Aphrodite vez que é grega, fotografada ao lado em proposital ângulo desfavorável. A Deusa, sabiamente, tinha originalmente seus braços cobrindo boa parte da delicada barriguinha, de modo que o escultor jamais planejou essa vista em especial. Longe de mim negar a incrível beleza da estátua, que admiro muito em cada um de seus traços, mas fiquei um pouco incomodado em não achar a barriguinha perfeita. Será que terei de parar de invocar os clássicos para defender meu gosto? Não alteraria nada, apenas a leve retirada da barriguinha.

Confesso que fiquei meio abalado. Será que sou um doente? Felizmente uma breve consulta ao CID-10 mostrou que desde que eu não me refira à minha imagem sou saudável. Mas após essa surpresa até que as coisas melhoraram. Diria que cerca de metade das esculturas que vi eram incrivelmente magras, acompanhadas também de maravilhosas obras do academicismo francês. Os dedos longos e finos, os belos pescoços. Sinceramente não entendo por que a escultura de figuras humanas está tão pouco em moda hoje. Se entende que a a pintura tenha se ressentido da fotografia, e esta dos computadores, ambas procurando novas fronteiras, mas a escultura não tem qualquer motivo para temer. A escolha da posição, o esforço para mostrar os movimentos, a leveza de tecidos, tudo isso jamais poderá ser substituído por moldes ou digitalização. Entretanto, somo forçados a conviver com esculturas que valem mais fundidas que em pé, como a do túnel Ayrton Senna em São Paulo. Aliás, quem gosta de esculturas, preferencialmente macérrimas, não pode perder a oportunidade de ver a escultura de bailarina de Degas no MASP, provavelmente a última exposição internacional de peso do mausoléu.