quarta-feira, junho 21, 2006

L'absinthe

A pintura ao lado, L'absinthe, é um Degas que infelizmente não veio para a exposição no MASP. A moça, uma atriz amiga do pintor, fita com um olhar meio perdido o copo de absinto, como que hipnotizada, talvez pela fada verde.
Há uns três anos eu e um amigo, cuja identidade manterei em segredo, enfiamos na cabeça que queriamos experimentar o tal do absinto, provocados pela notícia do retorno das importações da bebida.
O absinto guarda uma aura apenas romântica, ao contrário de outras drogas ilícitas disponíveis, exatamente porque qualquer efeito negativo está muito distante de nós. Embora o LSD tenha também inspirado uma geração, assim como a heroína tem seu lugar na história Jazz, ambas têm uma realidade negra muito próxima que obscurece qualquer romantismo.
A verdade é que a proibição do absinto veio muito mais por um clamor popular, baseado em supostos crimes cometidos por absintosos, do que por provas científicas dos efeitos e riscos. Muitos especulam que os famosos efeitos são devidos ao alto teor alcoólico, em muitos casos chegando a até 70%, e não ao elemento neuroativo tujone.
Seja como for, após várias décadas o absinto retornou às gôndolas européias, com uma limitação no teor do tujone extraído da Artemisia Absinthium. As versões nacionais, ainda que importadas, têm também uma limitação no teor alcoólico. Pois bem, fomos à caça da fada verde pelas lojas da cidade, entretanto sem sucesso. Todas as versões eram grossas picaretagens, apenas alcool com anilina verde que sequer fica leitoso ao ser misturado com água. As um pouco melhores nem utilizavam Artemisia Absinthium, pelo que não passavam de um Pernod.
Lembro que na época cogitamos de produzir o nosso próprio absinto, pois a essência de Artemisia Absinthium, com alto teor de tujone, pode ser legalmente comprada para uso em cosméticos. Ficamos um pouco desencorajados quando lemos sobre um idiota que misturou uma colherada inteira no absinto caseiro e caiu morto, pois o limite seguro está por volta de 30mg/kg.
O absinto me lembra um filme adolescente bem idiota que assisti, onde os dois personagens em Amsterdã comem um brownie e têm incríveis alucinações, as quais terminam quando o rastafari dono do café informa que aqueles não são brownies mágicos. Apesar de todos os quadors impressionistas, até hoje não existe nehuma prova de que o tujone causa alucinações.
Pois bem, finalmente consegui comprar um absinto de respeito, com 55º GL e artemísia de verdade, dentro do limite da UE. Tudo bem, não é o absinto do mercado negro, que pode ter até 20 vezes o teor de tujone do meu, encontrado na Holanda, na Suiça e alguns países do leste europeu, mas pelo menos já posso chamar de absinto. A garrafa veio até com uma bela colher, própria para colocar os cubinhos de açúcar e a água fria.
Elegi o dia 12/6 como a data para a degustação, uma vez que existe um limite para o número de anos seguidos que você pode assistir Deconstructing Harry e achar engraçado. Sinceramente não consegui entender como alguém pode ter alucinações, já que eu não consegui nem ficar bêbado. Se ele for diluído em água não passa dos 18º, num copo pequeno. Se for bebido puro o paladar vai se enjoar da bebida adocicada muito antes de qualquer bebedeira. Sobra o fetiche, que não é pouca coisa. Vou experimentar depois a dica do Pecus que viu no Alfie a Susan Sarandon tacando fogo no absinto e derretendo o açúcar na colher. Ao menos vai ser um belo espetáculo.
Por enquanto a única utilidade comprovada do absinto foi acabar com uma tosse da minha mãe. Nada de estranho, afinal o absinto não era originalmente um remédio de ervas? Pior que vic vaporub não deve ser.