quarta-feira, novembro 22, 2006

E o carteiro mordeu o cachorro

Segundo aprendi com minha irmã jornalista, notícia é quando o carteiro morde o cachorro, não o contrário. Essa simplista regra geral deveria vir impressa junto com o cartão de assinatura dos jornais. Por que motivo a morte de um motoqueiro por dia em São Paulo não é noticiada? Exatamente porque morre um todo dia. Ao contrário, o que foge ao ordinário merece a capa dos jornais.

Isso gera uma aparente contradição, pois o que ganha destaque não é a realidade, mas a “notícia”, e o excepcional parece normal, ao passo que o casual é apenas ignorado. Para saber que os motoqueiros morrem como moscas o leitor terá de atropelar um ele mesmo.

O sucateamento das redações tem apenas contribuído para o agravamento dessa situação, porque os jornalistas têm cada vez menos tempo ou disposição para definir uma pauta que não seja apenas dirigida pelo fluxo aleatório de “notícias”. A realidade é que mesmo veículos de imprensa “sérios” se parecem cada vez mais com a sessão Popular do site Terra, síntese desse estilo de notícia.

O fato é que modelos não morrem como moscas de anorexia, apesar de existirem em maior número, independente da sua fama. Se por um lado é sempre positivo o interesse geral em hábitos saudáveis, por outro é ridícula a forma como se apresentam as discussões e “soluções” para os supostos problemas que assolariam a profissão. Nessa linha a risível proibição de trabalharem modelos com IMC inferior a 18, que não guarda qualquer relação com a realidade.

Segundo essa conta Maria Sharapova, campeã de Wimbledon e do US Open, não poderia desfilar, pois tem um IMC inferior (16.7), assim como boa parte das maratonistas. Obviamente, se alguém sustenta ser possível a uma pessoa com anorexia completar um Grand Slam ou uma maratona, sugiro a leitura de qualquer manual de bioquímica básica.

No seu magnífico Freakonomics Steven Levitt demonstra que é mais perigoso ter em casa uma piscina do que uma arma, ou que você correria mais risco de morrer vendendo drogas na rua em Chicago do que estando no corredor da morte no Texas. Nossa percepção já é falha, pois somos péssimo avaliadores de risco, e a imprensa atua como um potente deformador. Nos preocupamos com o carteiro louco que mordeu o cachorro, pedimos providências, mas o cachorro continua mordendo o carteiro impunemente.

Vendo as capas das revistas desta semana na fila do mercado só consegui pensar no “A hora da estrela”, especialmente em seu final.

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