quinta-feira, novembro 16, 2006

O porta-notas

No mini feriado aproveitei para subir a serra e aproveitar Campos livre dos paulistanos. Especialmente pelo fato de não estar dirigindo a viagem de um dia foi divertida, com direito a um massacre gastronômico no Chá do Toriba. E, claro, como ninguém é de ferro, algumas comprinhas.
Seguindo meu ritual entrei na loja e pedi um porta-notas. Após a longa exposição das diversas opções escolhi um, quando a vendedora anotou que era parecido com o meu atual. Prontamente a corrigi: parecido não, igual. Da mesma forma preciso ir com urgência para Buenos Aires para comprar um novo mocassim Guido, logicamente idêntico, porque o meu fiel amigo está apresentando um preocupante buraco na sola.
Quando roubaram meu carro ano passado minha maior perda foram os óculos escuros, que nunca consegui encontrar iguais. Até hoje reclamo disso. Em Paris tentei encontrar outro igual, mas após o descrever a vendedora disse: nossa, eu sei qual é esse óculos, mas não tenho mais. você comprou isso faz muitos anos, né? Realmente. Não preciso dizer que o carro novo era o mesmo, mesma cor, com as novidades do ano que obviamente eu não gostei. Quase troquei as rodas novas por as achar estranhas.
Enfim, sou apegado ao que dá certo, que é confortável, que estou acostumado, o que é uma heresia na sociedade de consumo. Nela ninguém deveria ter os mesmos óculos escuros por mais que 1 ano, ou usar um sapato feito da mesma forma há mais de meio século. Infelizmente meu choque com a sociedade de consumo vai além dos sapatos.
O modelo de consumo hoje se tornou prevalente também nas relações pessoais. Os relacionamentos são instantâneos e efêmeros, tanto quanto baixas são as expectativas. O ficar nesse sentido é apenas a manifestação do modelo consumista que impera no restante de nossa vida. Nos vendemos como objetos e tratamos os outros como tal. Dentro desse contexto é absolutamente fútil esperar qualquer continuidade e estabilidade. Como os objetos descartáveis e de construção cada vez mais frágil, também os relacionamentos humanos recebem o investimento mínimo necessário para a sua determinada duração.
Vivemos num mundo em que as páginas do orkut registram mais de mil amigos, em que a palavra amigo se refere inclusive a quem nunca se viu na frente. Num mundo em que as considerações de Mr. Darcy em Orgulho e Preconceito, sobre a inconveniência do comportamento dos familiares de Elizabeth, não fazem mais sentido porque as construções não são feitas para durar mais que um verão.
Curiosamente é mais fácil derrotar a sociedade de consumo nos objetos do que é com as pessoas.