sábado, junho 24, 2006

Não gosto de futebol

Não gosto de futebol. Pronto, está dito. Minha mãe tem uma teoria de que isso é um trauma infantil causado pela copa de 82, pois eu teria torcido muito naquela época. Besteira, que criança não ficaria impressionada com a cidade inteira pintada de verde e amarelo, os sons, as festas? Mas quanto ao futebol, deste posso dizer que nunca gostei.

No Brasil isso não é fácil de lidar. O que responder quando perguntam qual o seu time? Responder com outra pergunta, qual o esporte, pode ser considerado um pouco agressivo, então encontrei outra resposta. Simplesmente digo que torço contra. Cresci e não aprendi a gostar de futebol, mas aos poucos comecei a apreciar o torcer contra. Não torço contra alguém, simplesmente torço contra. Não importa o resultado da partida, ainda assim tenho alguém para atormentar.

Agora, em tempos de copa do mundo a coisa fica mais complicada. Já torci pela Inglaterra, mas isso gerava animosidade demais, mesmo de meus familiares. Torcer contra o Brasil é complicado, até mesmo porque na maior parte das vezes você não conhece nenhum nacional do outro país para manter o equilíbrio de apenas torcer contra.

Mas, felizmente, este ano encontrei a solução perfeita para o meu dilema de como manter minha postura durante a copa: torcer para o Brasil. Como o leitor já deve saber, nunca sujei a calça num banco de estádio, por isso não posso ser antropólogo. Fui uma vez, mas o banco estava limpo. Mas não há problema algum, pois se não posso ser antropólogo, ao menos posso ser comentarista de futebol. Sim, eu que não gosto e não entendo de futebol consegui replicar perfeitamente o discurso dos comentaristas especializados.

O Brasil sofre pra ganhar, aponto os defeitos, faço piadas sobre o redondo, finjo interesse. Grito que o jogador que eu nunca vi jogar tem de entrar. As pessoas ficam exasperadas, minha mãe defende o Ronaldo, ao passo que recebo apoio de outros especialistas. A quantidade de piadas ao meu dispor é imensa. E, sem qualquer modestia, consigo fazer a coisa de uma maneira mais discreta que os comentaristas. Não chego ao ponto de dizer, como ouvi um na TV, que o Ronaldo só vai jogar quando revogarem a lei da gravidade.

Terceiro jogo, o Brasil goleia: nenhum problema. Digo que o Ronaldo ainda é problema, que só queria bater o recorde e não se importa com a seleção, que tem o IMC de uma baleia, beirando o dobro do IMC da Sharapova (pausa para suspiros), que a seleção não é lugar pra jogador se recuperar. Que a armadilha de ganhar de goleada no terceiro jogo está tirando a atenção dos sérios problemas táticos que vão se manifestar nas etapas seguintes, contra times de verdade. Curiosamente, obtenho alguns sinais de aprovação.

Pra mim o ponto mais divertido é comentar sobre o esquema tático. Só sei que existe goleiro, defesa, meio-de-campo e ataque. Não faço a menor idéia do que seja ponta. Mas mesmo assim fazem sucesso minhas críticas ao modelo do quadrado, dizendo que ele tem falhas no meio-de-campo, que a bola não chega para os atacantes, que estão sendo forçados a fazer o que normalmente não fazem nos seus times, buscando a bola, e por isso obtendo péssimos resultados. Não tenho nem idéia do que isso quer dizer, mas parece que faz algum sentido pra outros torcedores.

Sinceramente, ainda acho que faço um melhor trabalho que os especialistas, porque procuro manter a coerência dos comentários, não me contradigo e nunca fico feliz ou satisfeito. Não aprendi a gostar de futebol, mas finalmente fiz as pazes com a copa. Ela vai ser muito divertida.