segunda-feira, novembro 27, 2006

Segurança

Nem todos sabem, mas antes de fazer o que faço (que também nem todos sabem o que seja) trabalhei com internet e segurança de redes. Logo, ainda conheço um ou outro truque, o suficiente pra gerenciar a pequena rede do escritório. Num dado momento de tédio resolvi bloquear o MSN e o Orkut, o que me lembrou do velho problema da segurança de redes.
Sempre que alguém vai definir a segurança de um sistema que ele mesmo usa, a primeira coisa que vai tratar é definir como não se sujeitar a essas regras. Não é preciso dizer que essa "backdoor", como se chama no meio, será o ponto fraco da política de segurança, que não só é conhecido como criado pelo próprio administrador. O que se aplica à informática se aplica a todo o resto. Nos escritórios são implementados cartões de entrada, mas tente impedir a entrada, ou exigir a emissão de uma permissão temporária, do gerente que esqueceu o cartão. Rapidamente é aberta a cancelinha para ele passar.
Todas essas atitudes, aparentemente sem conseqüência, levam a uma redução da segurança do sistema. Infelizmente isso não se aplica apenas aos sistemas privados. Todos querem se ver livres de motoristas malucos ou bêbados, mas não se importam de molhar a mão do guarda. Todos pregam a necessidade de reduzir a carga tributária, mas poucos parecem dispostos a abandonar as suas formas pessoais de reduzir a carga tributária.
Queremos que a polícia seja atuante, mas se ela nos para na rua consideramos aquilo uma verdadeira ofensa. Enfim, queremos regras que se apliquem a todos, menos a nós mesmos.

quarta-feira, novembro 22, 2006

E o carteiro mordeu o cachorro

Segundo aprendi com minha irmã jornalista, notícia é quando o carteiro morde o cachorro, não o contrário. Essa simplista regra geral deveria vir impressa junto com o cartão de assinatura dos jornais. Por que motivo a morte de um motoqueiro por dia em São Paulo não é noticiada? Exatamente porque morre um todo dia. Ao contrário, o que foge ao ordinário merece a capa dos jornais.

Isso gera uma aparente contradição, pois o que ganha destaque não é a realidade, mas a “notícia”, e o excepcional parece normal, ao passo que o casual é apenas ignorado. Para saber que os motoqueiros morrem como moscas o leitor terá de atropelar um ele mesmo.

O sucateamento das redações tem apenas contribuído para o agravamento dessa situação, porque os jornalistas têm cada vez menos tempo ou disposição para definir uma pauta que não seja apenas dirigida pelo fluxo aleatório de “notícias”. A realidade é que mesmo veículos de imprensa “sérios” se parecem cada vez mais com a sessão Popular do site Terra, síntese desse estilo de notícia.

O fato é que modelos não morrem como moscas de anorexia, apesar de existirem em maior número, independente da sua fama. Se por um lado é sempre positivo o interesse geral em hábitos saudáveis, por outro é ridícula a forma como se apresentam as discussões e “soluções” para os supostos problemas que assolariam a profissão. Nessa linha a risível proibição de trabalharem modelos com IMC inferior a 18, que não guarda qualquer relação com a realidade.

Segundo essa conta Maria Sharapova, campeã de Wimbledon e do US Open, não poderia desfilar, pois tem um IMC inferior (16.7), assim como boa parte das maratonistas. Obviamente, se alguém sustenta ser possível a uma pessoa com anorexia completar um Grand Slam ou uma maratona, sugiro a leitura de qualquer manual de bioquímica básica.

No seu magnífico Freakonomics Steven Levitt demonstra que é mais perigoso ter em casa uma piscina do que uma arma, ou que você correria mais risco de morrer vendendo drogas na rua em Chicago do que estando no corredor da morte no Texas. Nossa percepção já é falha, pois somos péssimo avaliadores de risco, e a imprensa atua como um potente deformador. Nos preocupamos com o carteiro louco que mordeu o cachorro, pedimos providências, mas o cachorro continua mordendo o carteiro impunemente.

Vendo as capas das revistas desta semana na fila do mercado só consegui pensar no “A hora da estrela”, especialmente em seu final.

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quinta-feira, novembro 16, 2006

O porta-notas

No mini feriado aproveitei para subir a serra e aproveitar Campos livre dos paulistanos. Especialmente pelo fato de não estar dirigindo a viagem de um dia foi divertida, com direito a um massacre gastronômico no Chá do Toriba. E, claro, como ninguém é de ferro, algumas comprinhas.
Seguindo meu ritual entrei na loja e pedi um porta-notas. Após a longa exposição das diversas opções escolhi um, quando a vendedora anotou que era parecido com o meu atual. Prontamente a corrigi: parecido não, igual. Da mesma forma preciso ir com urgência para Buenos Aires para comprar um novo mocassim Guido, logicamente idêntico, porque o meu fiel amigo está apresentando um preocupante buraco na sola.
Quando roubaram meu carro ano passado minha maior perda foram os óculos escuros, que nunca consegui encontrar iguais. Até hoje reclamo disso. Em Paris tentei encontrar outro igual, mas após o descrever a vendedora disse: nossa, eu sei qual é esse óculos, mas não tenho mais. você comprou isso faz muitos anos, né? Realmente. Não preciso dizer que o carro novo era o mesmo, mesma cor, com as novidades do ano que obviamente eu não gostei. Quase troquei as rodas novas por as achar estranhas.
Enfim, sou apegado ao que dá certo, que é confortável, que estou acostumado, o que é uma heresia na sociedade de consumo. Nela ninguém deveria ter os mesmos óculos escuros por mais que 1 ano, ou usar um sapato feito da mesma forma há mais de meio século. Infelizmente meu choque com a sociedade de consumo vai além dos sapatos.
O modelo de consumo hoje se tornou prevalente também nas relações pessoais. Os relacionamentos são instantâneos e efêmeros, tanto quanto baixas são as expectativas. O ficar nesse sentido é apenas a manifestação do modelo consumista que impera no restante de nossa vida. Nos vendemos como objetos e tratamos os outros como tal. Dentro desse contexto é absolutamente fútil esperar qualquer continuidade e estabilidade. Como os objetos descartáveis e de construção cada vez mais frágil, também os relacionamentos humanos recebem o investimento mínimo necessário para a sua determinada duração.
Vivemos num mundo em que as páginas do orkut registram mais de mil amigos, em que a palavra amigo se refere inclusive a quem nunca se viu na frente. Num mundo em que as considerações de Mr. Darcy em Orgulho e Preconceito, sobre a inconveniência do comportamento dos familiares de Elizabeth, não fazem mais sentido porque as construções não são feitas para durar mais que um verão.
Curiosamente é mais fácil derrotar a sociedade de consumo nos objetos do que é com as pessoas.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Eu vou tirar você desse lugar

Acabei de ficar uns 10 minutos ouvindo repetida a seguinte estrofe da canção de Odair José:
"Eu vou tirar você desse lugar. Eu vou levar você pra ficar comigo"
Quem não conhece a música, pode verificar no link acima a letra completa. Para quem conhece a letra, não se tratava de uma tentativa de lavagem cerebral dos clientes de alguma casa suspeita, mas a espera do atendimento do Credicard Citibank.
A nova campanha publicitária do cartão tem essa música como tema, mas na prática só as duas frases que eu citei aparecem na propaganda. O curioso é que a música, claramente, trata do cantor dizendo que vai tirar a meretriz da zona para se casar com ela. Já no lançamento da campanha o publicitário se apressou em afastar essa leitura como equivocada, dizendo que tinha um livro que mostrava outra inspiração. Bobagem, o próprio Odair em recente entrevista ao JT confirma o significado, que ademais é tão claro que não carece de explicações.
Agora, a questão é: na campanha, quem é a puta? Considerando que a campanha é "Você sob nova direção", só posso concluir que a puta somos nós, e que o Credicard Citi vai nos tirar deste lugar.